Na segunda-feira, 3 de março de 2025, a Itália consolidou uma medida polêmica ao oficializar a adoção de uma lei que torna ilegal a prática de surrogacy — ou “barriga de aluguel” — no exterior para seus cidadãos. A legislação, aprovada pelo Senado em outubro de 2024 por 84 votos a 58 e agora plenamente em vigor, estende a proibição já existente no país desde 2004, que criminalizava o surrogacy doméstico. Italianos que buscarem essa prática em países como Estados Unidos ou Canadá, onde é legal, enfrentarão penas de até dois anos de prisão e multas que podem chegar a 1 milhão de euros (cerca de R$ 6 milhões). A medida é vista como um marco na agenda conservadora liderada pela primeira-ministra Giorgia Meloni e seu partido, Irmãos da Itália.
A lei, que classifica o surrogacy como um “crime universal”, tem gerado intensos debates, especialmente por seu impacto desproporcional sobre casais do mesmo sexo. Na Itália, onde a adoção por casais homossexuais é proibida e o acesso à fertilização in vitro é restrito a casais heterossexuais, o surrogacy no exterior era uma das poucas opções restantes para homens gays formarem famílias. Ativistas, como Alessia Crocini, da Rainbow Families, apontam que, embora 90% dos italianos que recorrem ao surrogacy sejam heterossexuais — muitas vezes escondendo o fato —, casais homoafetivos não conseguem ocultar a origem de seus filhos, tornando-os alvos mais visíveis da nova legislação. “Isso é um ataque direto à liberdade de formar uma família”, declarou Crocini em entrevista recente.
Por outro lado, defensores da lei, incluindo Meloni, argumentam que ela protege a dignidade das mulheres e combate a “mercantilização” da maternidade. A primeira-ministra, que se descreve como uma “mãe cristã”, celebrou a medida como um reforço aos valores tradicionais, alinhando-se ao lema de seu partido: “Deus, família e pátria”. O texto também reflete influências da Igreja Católica, com o Papa Francisco tendo chamado o surrogacy de “aluguel de útero” e pedido sua proibição global. Para o governo, a lei não visa apenas casais LGBT, mas qualquer um que recorra à prática, que é vista como uma afronta à “ordem natural”.
O contexto demográfico da Itália, com uma taxa de natalidade em queda há 15 anos consecutivos — atingindo um recorde de baixa em 2023, segundo o ISTAT —, adiciona uma camada de ironia à decisão. Enquanto o país enfrenta um declínio populacional, a restrição a formas alternativas de parentalidade é criticada por dificultar ainda mais o aumento da natalidade. A aplicação da lei, que entrou em vigor nesta semana, permanece incerta, mas já coloca a Itália como pioneira no Ocidente em medidas tão restritivas contra o surrogacy internacional.