Em 2024, o Brasil registrou 1.492 feminicídios, o maior número desde que o crime foi tipificado em 2015, conforme dados da 19ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Esse total representa uma média de quatro mulheres assassinadas por dia em razão de sua condição de gênero, marcando um aumento de 0,7% em relação a 2023. O crescimento dos feminicídios contrasta com a redução de 5,4% nas mortes violentas intencionais gerais, que totalizaram 44.127 casos, evidenciando a persistência da violência de gênero em um cenário de queda geral da criminalidade.
O perfil das vítimas reforça padrões preocupantes: 63,6% eram mulheres negras, 70,5% tinham entre 18 e 44 anos, e 64,3% dos crimes ocorreram dentro de casa. Em 80% dos casos, os agressores eram companheiros ou ex-companheiros, e 97% dos assassinatos foram cometidos por homens, com 48,4% utilizando armas brancas, como facas. Mais alarmante ainda é a ineficácia das medidas protetivas: 121 mulheres assassinadas em 2023 e 2024 estavam sob proteção judicial, e cerca de 100 mil medidas foram descumpridas em 2024, um aumento de 10,8% em relação ao ano anterior. O Rio Grande do Sul lidera o ranking de feminicídios de mulheres com medidas protetivas ativas.As tentativas de feminicídio também cresceram significativamente, com 3.870 casos registrados, um aumento de 19% em relação a 2023, com destaques para Amazonas (+65,1%), São Paulo (+47,4%) e Maranhão (+42,8%). Além disso, outros crimes contra mulheres, como stalking (18,2%) e violência psicológica (6,3%), também registraram alta. O cenário expõe a fragilidade das políticas públicas de proteção, especialmente no que diz respeito à fiscalização e ao cumprimento das medidas judiciais, que muitas vezes não conseguem evitar a escalada da violência.
Os dados do Anuário apontam para a necessidade de uma abordagem mais robusta no combate à violência de gênero. Apesar de avanços legislativos, como a Lei nº 14.994/2024, que tornou o feminicídio um crime autônomo com penas de 20 a 40 anos, a persistência dos altos índices sugere que a ênfase em punição não tem sido suficiente. A subnotificação de casos, especialmente fora do ambiente doméstico, e a falta de integração entre instituições para proteger as vítimas agravam o problema. Em um contexto em que o Brasil investiu R$ 153 bilhões em segurança pública em 2024, um aumento de 6,1%, a ausência de resultados concretos na redução da violência contra as mulheres levanta questionamentos sobre a eficácia das estratégias adotadas.
A violência de gênero não apenas reflete desigualdades estruturais, mas também expõe falhas sistêmicas na aplicação de políticas públicas. A proteção à família e a segurança das mulheres exigem ações coordenadas que vão além de medidas judiciais, incluindo prevenção, educação e responsabilização efetiva dos agressores. Enquanto o país celebra marcos como os 19 anos da Lei Maria da Penha, os números recordes de feminicídios em 2024 sinalizam que a luta contra a violência de gênero permanece um desafio urgente e inadiável.