Em 3 de julho de 2025, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, visitou a ex-presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, em seu apartamento em Buenos Aires, onde ela cumpre prisão domiciliar após ser condenada a seis anos de prisão por corrupção no caso conhecido como “Vialidad”. A visita, que ocorreu após a Cúpula do Mercosul, foi autorizada pelo juiz argentino Gorini e gerou intensas discussões sobre possíveis implicações políticas, com críticas de parlamentares brasileiros e argentinos que enxergam o gesto como uma interferência nos assuntos internos da Argentina. O encontro, descrito por Kirchner como “um ato político de solidariedade”, reacendeu debates sobre a relação entre líderes regionais e a influência de suas ações no equilíbrio diplomático.
Lula, que já enfrentou uma condenação por corrupção no âmbito da Operação Lava Jato, da qual foi absolvido em 2021 após a anulação de suas sentenças pelo Supremo Tribunal Federal (STF), expressou apoio a Kirchner tanto durante a visita quanto em contatos anteriores. Em 11 de junho, ele telefonou para a ex-presidente argentina, manifestando solidariedade e destacando a importância de sua resiliência diante do processo judicial. Durante a visita, Lula posou para fotos com Kirchner e, em outro momento, ao lado do Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, segurando um cartaz com a frase “Cristina Livre”. Essas ações foram interpretadas por críticos como um sinal de alinhamento ideológico e uma tentativa de influenciar a percepção pública sobre o caso de Kirchner, que enfrenta acusações de administração fraudulenta durante seus mandatos (2007-2015).
No Brasil, a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados aprovou, em 9 de julho, a convocação do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, para esclarecer a visita. Dois deputados, Marcel van Hattem e Luiz Philippe de Orleans e Bragança, apresentaram moções de repúdio, argumentando que o encontro de Lula com Kirchner, condenada por corrupção, compromete a neutralidade institucional do Brasil e desrespeita as decisões do Judiciário argentino. “O ato enfraquece o compromisso do Brasil com o combate à corrupção e com a defesa do Estado de Direito em sua dimensão internacional”, afirmou Orleans e Bragança. A oposição brasileira, incluindo vozes como o senador Eduardo Girão (Novo-CE), reforçou que a visita representa uma postura inadequada, especialmente em um contexto de tensões com os Estados Unidos, que impuseram tarifas de 50% sobre produtos brasileiros em resposta a questões judiciais internas.
Na Argentina, a visita também gerou reações. O presidente Javier Milei, que já chamou Lula de “comunista” e “corrupto”, não realizou uma reunião bilateral com o presidente brasileiro durante a Cúpula do Mercosul, evidenciando a frieza nas relações entre os dois líderes. Kirchner, por sua vez, usou o encontro para reforçar sua narrativa de “lawfare”, alegando ser vítima de perseguição política por um Judiciário subordinado a interesses econômicos. Em uma postagem no X, ela destacou: “Lula também foi perseguido, também sofreu lawfare até ser preso, também tentaram silenciá-lo”. A declaração foi vista como uma tentativa de equiparar suas trajetórias, fortalecendo a percepção de que a visita teve um caráter político, além de pessoal.Defensores de Lula, como o Instituto Lula, argumentam que a visita foi um gesto humanitário, motivado por uma amizade de longa data e pela reciprocidade, já que líderes kirchneristas, como Alberto Fernández, visitaram Lula durante sua prisão em Curitiba (2018-2019). Em entrevista ao Jornal Nacional em 10 de julho, Lula negou qualquer interferência política, afirmando que o encontro foi autorizado pela Justiça argentina e que sua intenção era apenas expressar apoio a uma aliada histórica. Ele também evitou comparações com as tarifas impostas por Donald Trump, que citou o julgamento de Jair Bolsonaro como justificativa, reforçando a narrativa de que não aceita interferências externas nos assuntos brasileiros.
O debate sobre a visita reflete tensões mais amplas na política regional. Dados da Organização Mundial do Comércio (OMC) mostram que o Mercosul, bloco liderado por Brasil e Argentina, enfrenta desafios para manter sua relevância econômica em meio a disputas ideológicas. A visita de Lula, embora justificada como um ato de solidariedade, foi interpretada por críticos como um sinal de alinhamento com líderes de esquerda sul-americanos, em detrimento de uma diplomacia neutra e pragmática. Enquanto apoiadores veem o gesto como uma defesa da soberania popular contra o que chamam de “perseguição judicial”, opositores argumentam que ele compromete a credibilidade do Brasil no combate à corrupção e fortalece a polarização política na região.