O presidente interino da Síria, Ahmed al-Sharaa, anunciou no início de junho de 2025 uma decisão surpreendente: a autorização para que Israel utilize o espaço aéreo sírio na interceptação de mísseis e drones provenientes do Irã. A medida, vista como impensável até poucos anos atrás, reflete a mudança significativa nas dinâmicas regionais após a queda do regime de Bashar al-Assad em dezembro de 2024. Al-Sharaa, líder da Hay’at Tahrir al-Sham (HTS) e ex-membro da al-Qaeda, busca com essa ação consolidar sua posição como um governante pragmático, disposto a dialogar com antigos adversários para garantir a estabilidade da Síria e atrair apoio internacional. A decisão, no entanto, levanta questionamentos sobre a soberania síria e as tensões com grupos minoritários e potências regionais, enquanto reforça a busca por uma ordem regional mais estável, alinhada a interesses de segurança coletiva.
A autorização veio em resposta a preocupações compartilhadas sobre a influência iraniana no Oriente Médio, especialmente após anos de ataques de mísseis e drones do Irã e de seus aliados, como o Hezbollah, contra alvos israelenses. Al-Sharaa, em declarações públicas, enfatizou que a Síria não deseja ser um palco para conflitos regionais e que a medida visa evitar escaladas desnecessárias. Fontes indicam que a decisão foi comunicada durante negociações indiretas com Israel, mediadas por países como os Emirados Árabes Unidos, que têm facilitado contatos entre Damasco e Jerusalém desde a ascensão de al-Sharaa ao poder. Essas conversas, iniciadas em abril de 2025, focam em questões de segurança e desmilitarização, com o objetivo de reduzir tensões na fronteira sírio-israelense, especialmente na região do Golã.
A medida ocorre em um contexto de reaproximação diplomática. Al-Sharaa tem buscado legitimidade internacional, distanciando-se de sua imagem jihadista e promovendo uma agenda de reconstrução nacional. Em maio de 2025, ele se reuniu com o presidente dos EUA, Donald Trump, em Riad, onde discutiu a possibilidade de a Síria integrar os Acordos de Abraão, uma série de pactos de normalização entre Israel e países árabes. A decisão de abrir o espaço aéreo sírio para Israel é vista como um gesto concreto para atender às condições americanas de alívio de sanções, que incluem o combate a grupos terroristas e a redução da influência iraniana na Síria. Trump, ao comentar o encontro, descreveu al-Sharaa como um líder com “potencial” para estabilizar o país, destacando a importância de laços com Israel para a reintegração da Síria à comunidade internacional.
A decisão, porém, não está isenta de críticas. Internamente, al-Sharaa enfrenta resistência de facções radicais dentro da HTS e de comunidades minoritárias, como os alauítas e drusos, que temem que a cooperação com Israel comprometa a soberania síria e agrave tensões sectárias. Incidentes de violência sectária, como o assassinato de alauítas em março de 2025, já geraram condenações internacionais e alimentam receios sobre a capacidade de al-Sharaa de unificar o país. Externamente, o Irã, que apoiava o regime de Assad, condenou a medida como uma traição aos interesses regionais, enquanto a Turquia, aliada de al-Sharaa, mantém silêncio cauteloso, preocupada com o impacto em sua própria influência na Síria.
A abertura do espaço aéreo sírio também expõe a complexidade das relações com Israel, que continua a realizar ataques aéreos contra alvos associados a grupos pró-Irã no sul da Síria. Em 3 de junho de 2025, projéteis disparados de território sírio contra o Golã levaram Israel a retaliar com ataques aéreos, responsabilizando diretamente al-Sharaa. O governo sírio negou envolvimento nos disparos, atribuindo-os a milícias remanescentes do regime de Assad, e reiterou seu compromisso com o Acordo de Desengajamento de Forças de 1974, que regula a zona desmilitarizada na fronteira. A autorização para Israel usar o espaço aéreo pode ser interpretada como uma tentativa de al-Sharaa de evitar novos confrontos, garantindo que a Síria não seja usada como base para ataques contra seu vizinho.
Para leitores atentos, a decisão de al-Sharaa sugere um cálculo estratégico: priorizar a estabilidade e a reconstrução em um país devastado por 14 anos de guerra civil, mesmo que isso envolva concessões controversas. A cooperação com Israel, embora limitada, sinaliza uma ruptura com a política de confronto do regime anterior e uma aposta em alinhamentos regionais que favoreçam a segurança e a prosperidade. No entanto, o sucesso dessa estratégia dependerá da habilidade de al-Sharaa em controlar facções internas, gerenciar tensões sectárias e manter o apoio de aliados como Turquia e Arábia Saudita, enquanto enfrenta a desconfiança de Israel e a hostilidade do Irã.