Em uma decisão que reacendeu discussões sobre o equilíbrio entre os procedimentos judiciais e o direito de defesa, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou, em 10 de junho de 2025, o pedido do ex-presidente Jair Bolsonaro para apresentar vídeos durante seu interrogatório na ação penal que investiga a suposta trama golpista de 2022. A audiência, realizada na Primeira Turma do STF, marcou um momento crucial no processo em que Bolsonaro é acusado de liderar uma organização criminosa com o objetivo de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva após as eleições de 2022. A negativa do ministro, fundamentada no Código de Processo Penal, gerou debates sobre a imparcialidade do Judiciário e a condução de casos de alta relevância política, especialmente entre aqueles que enxergam em Bolsonaro um defensor de valores tradicionais e da soberania popular.
A defesa de Bolsonaro, liderada pelo advogado Celso Vilardi, solicitou a exibição de cerca de 12 vídeos curtos no telão da sala da Primeira Turma, com o argumento de que os materiais reforçariam a tese de que o ex-presidente não incentivou ações antidemocráticas. Entre os conteúdos, estavam pronunciamentos de Bolsonaro, além de declarações de figuras públicas, como os ministros Flávio Dino e Carlos Lupi, que teriam criticado o sistema eletrônico de votação em ocasiões passadas. Segundo o ex-presidente, esses vídeos demonstrariam que suas falas sobre as urnas eletrônicas refletiam preocupações legítimas, compartilhadas por outros atores políticos, e não intenções golpistas. A estratégia da defesa buscava contextualizar o discurso de Bolsonaro, reforçando que suas ações como presidente priorizaram a transparência eleitoral e o respeito à vontade popular, valores centrais para muitos de seus apoiadores.
Ao justificar a negativa, Moraes argumentou que o interrogatório é um momento de autodefesa, no qual o réu deve apresentar sua versão dos fatos e responder às acusações, mas não é adequado para a introdução de novas provas não incluídas previamente nos autos. “No interrogatório, o réu e sua defesa podem utilizar, apontar e fazer referência a qualquer prova presente nos autos, porém, não é o momento adequado para apresentação de provas novas, ainda não juntadas aos autos e desconhecidas das partes”, declarou o ministro, citando o artigo 231 do Código de Processo Penal, que exige a inclusão prévia de documentos para análise das partes envolvidas. Moraes sugeriu que os vídeos poderiam ser anexados ao processo para futura avaliação, desde que passassem pelos trâmites legais de autenticação. A decisão, embora tecnicamente alinhada à legislação, foi vista por alguns como uma restrição ao direito de defesa, especialmente considerando o peso político do caso.
O interrogatório de Bolsonaro, iniciado às 14h30 de 10 de junho, foi transmitido ao vivo pelo portal G1 e acompanhado por milhares de brasileiros. Durante a sessão, o ex-presidente demonstrou disposição para falar, prometendo um depoimento extenso e detalhado. Ao chegar ao STF, Bolsonaro afirmou à imprensa que os vídeos, incluindo suas próprias falas e críticas de outros políticos às urnas eletrônicas, comprovariam que suas ações eram legítimas e protegidas pela liberdade de expressão. “Tem pronunciamento meu, tem um do Flávio Dino condenando a urna eletrônica, tem um do Carlos Lupi também, falando que sem impressão do voto é fraude. Eu não estou inventando nada”, declarou. A negativa de Moraes, no entanto, limitou a estratégia da defesa, que buscava usar os vídeos para reforçar a narrativa de que Bolsonaro agiu dentro dos limites constitucionais, defendendo a transparência eleitoral e a ordem democrática.
O caso da suposta trama golpista, que inclui outros sete réus do chamado “núcleo 1”, como o tenente-coronel Mauro Cid e o ex-ministro Walter Braga Netto, é um dos mais complexos da história recente do STF. As acusações, baseadas em investigações da Procuradoria-Geral da República, apontam para crimes graves, como organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, com penas que podem ultrapassar 43 anos de prisão. Durante o julgamento, Moraes já havia utilizado vídeos dos atos de 8 de janeiro de 2023, exibindo imagens de invasões às sedes dos Três Poderes para sustentar a materialidade dos delitos. A decisão de exibir esses vídeos, considerados “fatos notórios e públicos” pelo ministro, gerou críticas de advogados por não estarem previamente nos autos, o que levantou questionamentos sobre a consistência processual no tratamento das partes.
Para muitos brasileiros, especialmente aqueles que veem em Jair Bolsonaro um símbolo de resistência contra o establishment e de defesa de valores como liberdade, família e soberania nacional, a negativa de Moraes reforça a percepção de um Judiciário excessivamente rígido e, em alguns casos, politizado. A impossibilidade de apresentar os vídeos, que poderiam contextualizar o discurso do ex-presidente, é interpretada por seus apoiadores como uma tentativa de limitar sua defesa em um momento crucial. Contudo, a decisão também reflete a necessidade de manter a ordem processual, garantindo que todas as partes tenham acesso prévio às provas apresentadas. O equilíbrio entre a estrita observância da lei e a garantia de um julgamento justo permanece no centro do debate, enquanto a sociedade acompanha atentamente os desdobramentos desse processo.