Um relatório sigiloso da Polícia Federal (PF), divulgado em maio de 2025, expôs a preocupante atuação de facções criminosas nas eleições municipais de 2024, com interferências confirmadas em pelo menos 42 cidades brasileiras. No estado de São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC) teria investido cerca de R$ 8 bilhões no financiamento de candidaturas, segundo informações obtidas pelo programa Fantástico, da TV Globo. O documento, elaborado em conjunto com promotores de todo o país, aponta que o crime organizado buscou controlar resultados eleitorais, especialmente em pequenos municípios, para garantir acesso a recursos públicos e facilitar atividades ilícitas. A gravidade dessas revelações reforça a necessidade de medidas robustas para proteger a integridade do processo democrático e preservar os princípios de ordem e transparência que sustentam a sociedade brasileira.
O caso mais emblemático ocorreu em João Dias, no Rio Grande do Norte, uma cidade de pouco mais de 2 mil habitantes. O prefeito Francisco Damião de Oliveira, conhecido como Marcelo, e seu pai foram assassinados em agosto de 2024, durante a campanha pela reeleição. As investigações apontam que o crime foi orquestrado por traficantes ligados ao PCC, em retaliação a uma disputa de poder iniciada em 2020. Segundo a Polícia Civil, Marcelo havia renunciado à prefeitura em 2021, após receber R$ 500 mil de Francisco Deusamor Jácome, um traficante condenado por tráfico internacional e ligado ao líder do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola. O acordo previa que Damária Jácome, irmã de Deusamor, assumisse o cargo. Após a renúncia, Damária governou até 2022, quando a Justiça anulou a decisão e reconduziu Marcelo, que passou a colaborar com investigações contra a família Jácome. O assassinato, executado em uma barbearia, envolveu nove suspeitos presos e quatro foragidos, incluindo Damária e sua irmã Leidiane, vereadora da cidade.
O relatório da PF destaca que a estratégia das facções não se limita a João Dias. Em São Paulo, o investimento de R$ 8 bilhões pelo PCC visava eleger candidatos a prefeito e vereador em diversas cidades, com o objetivo de controlar secretarias estratégicas e acessar verbas federais. De acordo com o delegado Carlos Michel Teixeira Fonseca, da Polícia Civil do Rio Grande do Norte, as prefeituras atraem o crime organizado por gerirem grandes quantias, como os R$ 23 milhões de receita de João Dias em 2023, segundo o IBGE. Essa influência facilita a lavagem de dinheiro e o desvio de recursos, comprometendo serviços essenciais para a população. Em outros estados, como Ceará, Amazonas e Minas Gerais, operações da PF, como a “Tupinambarana Liberta” em Parintins (AM) e a “Integridade Eleitoral” em São Borja (RS), desarticularam esquemas de coação de eleitores e financiamento ilícito, evidenciando a extensão do problema.
A atuação do crime organizado nas eleições também incluiu táticas como extorsão de candidatos, ameaças a eleitores e proibição de campanhas em áreas dominadas por facções. No Ceará, por exemplo, a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) relatou que candidatos em Santa Quitéria foram obrigados a pagar taxas para realizar campanhas em territórios controlados por grupos como o Comando Vermelho. Em Minas Gerais, cerca de mil candidaturas foram investigadas por suspeitas de financiamento por facções em 17 cidades. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sob a presidência da ministra Cármen Lúcia, respondeu com medidas como a criação de um núcleo de especialistas para monitorar candidaturas e a presença de juízes em todos os municípios no dia da votação, além do envio de tropas federais para cidades como Cabedelo e Fagundes, na Paraíba.
A interferência de facções nas eleições de 2024 revela uma ameaça crescente à democracia brasileira. A ocupação de cargos públicos por aliados do crime organizado compromete a governança e a confiança nas instituições, enquanto a violência política, que resultou em 76 mortes no ano, segundo o Grupo de Investigação Eleitoral da Unirio, agrava o clima de insegurança. A resposta das autoridades, que inclui operações da PF e a apreensão de R$ 46 milhões em bens ligados a crimes eleitorais, demonstra um esforço para conter o problema. Contudo, a escala dos investimentos criminosos, como os R$ 8 bilhões em São Paulo, sublinha a urgência de fortalecer a fiscalização e proteger os valores de integridade e soberania popular que são fundamentais para o futuro do país.