Uma investigação conduzida pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), em parceria com a Polícia Federal (PF), revelou em março de 2025 um sofisticado esquema de lavagem de dinheiro operado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das maiores facções criminosas do Brasil. O cruzamento de dados do programa Bolsa Família identificou movimentações financeiras atípicas em contas de beneficiários, apontando para o uso de “laranjas” como peça-chave na ocultação de recursos provenientes de atividades ilícitas, como tráfico de drogas e assaltos. Relatórios enviados ao Ministério Público e à PF indicam que o esquema envolveu milhões de reais, aproveitando vulnerabilidades no sistema de fiscalização do programa social.
O Coaf, responsável por monitorar transações bancárias suspeitas, analisou informações fornecidas por bancos oficiais e pela Receita Federal, cruzando-as com os cadastros do Bolsa Família. O foco recaiu sobre beneficiários que, apesar de declararem renda compatível com o programa — limitado a famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza —, movimentavam quantias incompatíveis com seu perfil econômico. Um exemplo destacado pela investigação é o de um vendedor de 31 anos, residente em Maricá (RJ), que recebia R$ 800 mensais do Bolsa Família, mas realizou transações via Pix que somaram milhares de reais em poucos meses. Casos semelhantes foram registrados em cidades como Contagem (MG), Tutoia (MA) e Aquidauana (MS), envolvendo profissões diversas, de auxiliares gerais a taxistas.
A operação, batizada de “Hydra” pela PF, culminou na prisão de figuras como Cyllas Salerno Elia Júnior, policial civil e fundador da fintech 2GO Bank, em 25 de fevereiro de 2025. A 2GO foi apontada como uma das principais ferramentas usadas pelo PCC para canalizar o dinheiro sujo, utilizando contas de beneficiários como escudos para dificultar o rastreamento. Segundo a PF, o esquema contava com a participação de dezenas de pessoas, algumas possivelmente aliciadas sem pleno conhecimento de sua função, enquanto outras atuavam conscientemente na rede criminosa. A investigação estima que centenas de operações suspeitas foram rastreadas, totalizando valores milionários.
O governo federal reconheceu falhas na fiscalização do Bolsa Família, que desde março de 2023 substituiu o Auxílio Brasil. A Controladoria-Geral da União (CGU) já havia alertado, em um relatório de dezembro de 2024, que a desatualização dos dados cadastrais dificulta a identificação de fraudes. A revogação de uma norma em 2024, que obrigava fintechs a reportar movimentações ao Coaf, também foi criticada por facilitar a ação de criminosos, após uma onda de desinformação associar a medida a uma suposta taxação do Pix. O Ministério do Desenvolvimento Social anunciou planos para reforçar os controles em 2025, mas negou que o objetivo seja suspender benefícios em massa, focando na desarticulação das redes criminosas.
O caso expõe a fragilidade de programas sociais diante da sofisticação do crime organizado. Enquanto o PCC amplia sua influência, utilizando bancos digitais e fintechs para lavar dinheiro, as autoridades intensificam esforços para proteger políticas públicas essenciais, mantendo o equilíbrio entre assistência social e segurança.