O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou na quarta-feira, 7 de agosto de 2024, que presentes recebidos por presidentes da República durante o exercício do mandato não são considerados bens públicos, desde que não haja legislação específica definindo o contrário. A decisão, tomada por maioria no plenário do tribunal, impacta diretamente casos envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, liberando, em princípio, as joias sauditas de Bolsonaro e o relógio Cartier de Lula de serem incorporados ao patrimônio da União. A medida reflete uma interpretação jurídica que prioriza a ausência de normas claras, mas levanta debates sobre a gestão ética de bens de alto valor recebidos por autoridades.
O caso ganhou destaque com a análise do relógio Cartier Santos Dumont, recebido por Lula em 2005 durante uma visita a Paris, avaliado em cerca de R$ 60 mil. A decisão foi motivada por uma representação do deputado Sanderson (PL-RS), que questionava a posse do item, mas o ministro Jorge Oliveira, relator da matéria, argumentou que, na ausência de uma lei que regule o destino de presentes personalíssimos, estes pertencem ao presidente que os recebeu. Oliveira, indicado por Bolsonaro ao TCU, foi seguido por outros ministros, como Vital do Rêgo e Augusto Nardes, prevalecendo sobre o voto do relator original, Antonio Anastasia, que defendia a não retroatividade da norma de 2016, que exigia a devolução de bens de alto valor.
Essa decisão também afeta Bolsonaro, que enfrenta investigação da Polícia Federal por suposto desvio de joias e relógios de luxo, estimados em R$ 6,8 milhões, recebidos da Arábia Saudita. Em 2023, o TCU havia ordenado a devolução desses itens, mas a nova tese pode reverter essa determinação, fortalecendo a defesa do ex-presidente. A falta de uma regulamentação específica, como destacado por Oliveira, baseia-se no princípio da legalidade, que exige lei prévia para definir crimes ou obrigações, um ponto que ressoa com quem valoriza a estabilidade jurídica em detrimento de interpretações subjetivas.
Apesar da liberação, a decisão não é unânime. O ministro Walton Alencar votou pela devolução, argumentando que bens de luxo deveriam pertencer ao Estado, alinhando-se ao entendimento de 2016, que visava evitar que presidentes enriquecessem indevidamente com presentes oficiais. A ausência de uma norma clara, no entanto, prevaleceu, levando o TCU a recomendar ao Gabinete Pessoal da Presidência que catalogue futuros presentes em até 30 dias, com publicidade no Portal da Transparência. Essa mudança sugere uma tentativa de ordenar a prática, mas não resolve retroativamente os casos em questão, deixando margem para questionamentos sobre a coerência da gestão de recursos públicos e a proteção dos valores tradicionais de accountability.