O presidente da Argentina, Javier Milei, decretou a intervenção na mídia pública da Argentina nessa semana. O decreto exonerou a direção colegiada que dirigia as emissoras e veículos públicos de comunicação do país e, no lugar, colocou interventores nomeadores diretamente pelo governo.
Ao permitir a reformulação das estruturas das emissoras e portais públicos, a medida abre caminho para privatização dessas empresas, sendo essa uma das promessas de campanha do ultradireitista Milei. Apesar da intervenção, é necessária autorização legislativa para consolidar a venda das companhias.
O professor de comunicação da Universidade de Quilmes, na Argentina, Guillermo Mastrini, avalia que o governo, mesmo sem maioria no parlamento, tem condições de aprovar a privatização da mídia pública, desde que Milei consiga permanecer no cargo.
“Esses meios [públicos] não são populares na Argentina. Infelizmente, a mídia pública não tem muito respaldo social. Acho que há muitas possibilidades [de privatização]. Não é meu desejo que sejam privatizados, mas eu acho que é muito provável que, se ele consegue manter-se no governo e ficar por um tempo, as mídias sejam privatizadas”, destacou.
Ao justificar o decreto, o governo afirmou que ele é necessário para “otimizar a eficácia e eficiência das ações” da mídia pública argentina. Entre os poderes dos interventores, está o de “operar e manter as sociedades de modo a manter a gestão administrativa com objetivo de tornar sustentáveis ditas empresas”.
Em protesto contra a intervenção, a Federação Argentina dos Trabalhadores de Imprensa (Fatpren) afirmou que a medida é autoritária, viola a legislação do país e revela a intenção de privatizar a mídia pública. Para a Federação, o decreto coloca em risco a “pluralidade de vozes que sustentam o sistema informativo do país que hoje, sem uma agência como Telám ou sem a Rádio Nacional ou sem a TV Pública, estaria sujeito aos desejos dos meios privados e seus interesses econômicos.”
Entre os canais de mídia pública Argentina alvos da intervenção, estão a agência de notícias Telám, o portal Educ.Ar, a Rádio y Televisión Argentina (RTA), que inclui a Rádio Nacional da Argentina e a TV Pública do país, e a empresa Contenidos Públicos, que controla diferentes emissoras.
Mídia Pública
Inspirada no modelo de comunicação pública da Europa, a mídia pública na Argentina, assim como em outros países da América Latina, surge com a promessa de oferecer à população um conteúdo que, por não ter interesse comercial envolvido, não seria oferecido pela mídia privada, explicou o professor Mastrini.
“Quando você analisa a mídia comercial, as redes privadas, é a voz de São Paulo, Rio de Janeiro e, no caso da Argentina, de Buenos Aires. Quase ninguém mais tem visibilidade na mídia. A mídia pública é uma mídia que, como não tem objetivo de lucro, tem a possibilidade de mostrar às pessoas que não formam parte dos centros econômicos”, destacou.
Outra função seria o de dar voz às minorias sociais que, por serem minorias, “elas não vão receber programação que procure atender as suas necessidades de comunicação.”
O problema, segundo Mastrini, é que na Argentina a mídia pública desenvolveu um caráter oficialista, sem autonomia em relação ao Executivo, não importando quem seja o presidente.
“O principal problema [da mídia pública argentina] é sua filiação política que não tem independência do governo. E esse é um problema que, historicamente, desacreditou as emissoras públicas e acho que é uma das razões, não a única, mas é uma das razões de sua baixa audiência”, explicou.
Ao contrário da mídia estatal, que divulga a visão do governo sobre os fatos, a mídia pública deve, em tese, ter pluralidade de fontes, inclusive com a apresentação de opiniões divergentes.
“Se a mídia fosse verdadeiramente pública, ela deveria oferecer uma informação balanceada que permita à cidadania complementar os pontos de vista das distintas posições que existem na sociedade a respeito dos conflitos políticos. Mas isso, ao menos na América Latina, não acontece”, acrescentou.
O professor de comunicação da Universidade de Quilmes, Guillermo Mastrini, avalia que parte da população é da opinião de que os meios públicos são caros e que, como acreditam que nunca vão consumir esse conteúdo, não devem se opor à privatização.
De outro lado, existe um grupo, que ele acredita ser minoritário, ao defender que é preciso preservar essa mídia com a ideia que algum dia ela venha a ser “verdadeiramente pública”. “Se você privatiza é muito difícil depois fazer de novo, criar de novo”, concluiu.
Agência Brasil