No Brasil, o debate sobre a anistia aos presos pelos atos de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, ganhou um novo capítulo. Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, sinalizou a aliados que não enxerga razões para levar o projeto de lei ao plenário neste momento. Eleito em fevereiro de 2025 com amplo apoio de partidos como o PL e o PT, Motta agora parece priorizar a estabilidade política em detrimento de uma pauta que divide o Congresso e a sociedade. A informação, revelada por interlocutores próximos ao parlamentar, aponta que ele teme um desgaste em sua relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem tem buscado alinhamento desde que assumiu o comando da Casa.
O projeto de anistia, defendido com veemência pela oposição ligada a Bolsonaro, prevê o perdão a condenados pelos ataques antidemocráticos que deixaram marcas profundas no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal. Mais de 1.300 pessoas foram denunciadas, e cerca de 30 já receberam penas que chegam a 17 anos de prisão por crimes como tentativa de golpe de Estado e associação criminosa, segundo dados do Ministério Público Federal. A proposta, no entanto, enfrenta resistência feroz do governo e de parlamentares de esquerda, que a veem como uma ameaça à democracia e à responsabilização dos envolvidos. Uma pesquisa Datafolha de dezembro de 2024 mostrou que 62% dos brasileiros rejeitam a anistia, enquanto 33% a apoiam, evidenciando a polarização do tema.
Motta, que já declarou publicamente que os atos de 8 de janeiro não configuraram uma tentativa de golpe coordenado, agora adota cautela. Em conversas reservadas, ele teria dito que pautar o projeto poderia gerar atritos não só com Lula, mas também com o STF, que conduz os julgamentos dos acusados. Sua gestão, iniciada há menos de dois meses, busca evitar temas que considera “tóxicos” e focar em agendas como segurança pública e economia, vistas como mais consensuais e benéficas à população. O recuo frustra a oposição, que esperava celeridade após promessas de campanha de Motta de discutir o assunto com imparcialidade. Parlamentares do PL, maior bancada da Câmara, intensificam a pressão, mas aliados do presidente da Casa afirmam que a chance de votação no curto prazo é praticamente nula.
O episódio reflete o delicado equilíbrio de forças no Congresso brasileiro. Motta, do Republicanos, construiu sua vitória unindo extremos opostos do espectro político, mas agora enfrenta o desafio de manter essa coalizão sem ceder a pautas explosivas. Enquanto o governo celebra a hesitação como uma vitória silenciosa, famílias dos presos e lideranças bolsonaristas prometem manter a mobilização. O destino da anistia segue incerto, pendurado entre a vontade de uma minoria barulhenta e o pragmatismo de um líder que não quer incendiar o país.